comunidade budista triratna

texto escrito por Sangharakshita


O ensinamento, ou tradição, que no Ocidente chamamos agora de budismo, procedeu da experiência de Iluminação do Buda sob a árvore Bodhi, há 2500 anos atrás. É com o Buda, portanto, que o budismo começa.


A primeira coisa que se deve esclarecer é que a palavra “Buda” não é um nome próprio, mas um epíteto. Significa “aquele que Sabe, aquele que Compreende”. Significa também “aquele que está Desperto”: alguém que acordou, por assim dizer, do sonho da vida, porque vê a Verdade, vê a Realidade. Este epíteto foi primeiramente aplicado a um homem, cujo nome pessoal era Sidarta, e cujo clã ou nome de família era Gautama, e que viveu no sexto século antes da era cristã, na área que se situa em parte no sul do Nepal e em parte no norte da Índia. Felizmente, conhecemos bastante a respeito de seu curso de vida inicial. Sabemos que ele veio de uma família próspera, até mesmo nobre.


Sidarta recebeu uma educação muito boa, pelo padrão daquela época. Em geral, levou uma vida bem confortável, sem responsabilidades em particular.


Seu pai,  afetivo até demais, casou-o quando ele era bastante jovem. Algumas descrições dizem que ele tinha apenas dezesseis anos. (Na Índia, naquela época, como é geralmente o caso hoje, o casamento era arranjado pelos pais, uma vez que não era apenas um assunto pessoal mas o interesse da família toda). Ele casou com uma prima e, no devido tempo, nasceu um filho.


Poder-se-ia pensar que ele levava uma existência bastante feliz, mas as descrições deixam claro que, apesar de seu modo de vida próspero, Sidarta Gautama vivia profundamente insatisfeito H.G. Wells, descrevendo esse período da existência do Buda, diz de modo bem apropriado: “Era a infelicidade de uma mente brilhante em busca de ocupação”.


As lendas que encontramos nas escrituras budistas falam de um tipo de crise espiritual, de um momento crítico, quando o jovem nobre viu o que é conhecido por “As Quatro Visões”. 


Diz a lenda que em uma linda manhã Sidarta sentiu vontade de dar uma volta de carruagem; chamou, então, o cocheiro, que açoitou os cavalos, e assim partiram. Percorriam a cidade e, repentinamente, Sidarta teve sua primeira Visão: ele viu um homem velho. Segundo a lenda, ele nunca havia visto um velho antes. Se tomarmos a descrição literalmente, isto significa que ele vivia fechado em seu palácio, sem se dar conta das outras pessoas e sem perceber que existia algo como a velhice. Mas podemos interpretar de um outro modo. Às vezes vemos algo como se fosse pela primeira vez. Em certo sentido nós já vimos centenas, talvez milhares de vezes, mas um dia vemos como se nunca houvéssemos visto antes. Foi provavelmente algo assim que ocorreu no caso de Sidarta e isso lhe causou um choque. E, muito aflito, ele retornou a seu lindo palácio.


A segunda Visão foi a da doença. Era como se ele nunca houvesse visto ninguém doente antes e percebeu que todos os seres humanos estão sujeitos a enfermidades de vários tipos. Ele teve que encarar o fato que, por mais forte e saudável que fosse, a qualquer momento ele poderia ser atingido por uma doença.

O Que é Budismo?

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A terceira Visão foi a de um cadáver sendo carregado em uma padiola ao campo de cremação. Ainda se pode ver isso na Índia em qualquer dia. No Ocidente, quando alguém morre, é escondido em um caixão. Ninguém vê nada. Você é descartado como um lixo para o qual ninguém quer nem olhar, que é apenas posto num incinerador ou em uma cova no chão. Mas na Índia não é assim. Quando uma pessoa morre, ela é exposta publicamente no melhor quarto da casa e todos os seus amigos e parentes vão lá para olhar. Depois o cadáver é suspenso nos ombros de quarto homens fortes e transportado pelas ruas com a face descoberta. Uma multidão de pessoas acompanha o cadáver até o crematório. Foi uma procissão desse tipo que Sidarta viu, perguntando ao cocheiro: “O que é isso?” O cocheiro disse:”É apenas um corpo morto”, e Sidarta perguntou: ”Morto? O que aconteceu com ele?” “Bem, como pode ver ele está rígido, não se mexe. Ele não respira, não vê, não ouve. Ele está morto” Sidarta teve um sobressalto e disse: “Isso acontece com todo mundo, essa morte?” Então o cocheiro deu um longo suspiro e respondeu: ”Sim, infelizmente acontece”. Assim Sidarta percebeu que o mesmo sucederia com ele, um dia. A revelação o atingiu como um raio. Ele viu o que acontecia. Você não quer envelhecer, não consegue evitar. Você não quer adoecer, mas também não pode evitar. Então você começa a se perguntar: “Como cheguei a esse ponto? Aqui estou com esta ânsia de viver e de continuar vivendo, mas tenho que morrer. Por que? Qual é o significado disso tudo? Por que esse enigma, este mistério? Por que fui feito assim? É Deus o responsável? É o destino? Ou apenas aconteceu? Existe alguma explicação?”


Desse modo Sidarta se deparou com essas situações existenciais e começou a pensar sobre elas com muita profundidade. Então ele teve uma quarta Visão. Esta Visão foi de um homem santo, ou o que é chamado na Índia de sadhu, caminhando pelas ruas com sua tigela e mendigando. Ele parecia tão calmo, tão quieto, tão pacífico que o futuro Buda pensou: “Talvez ele saiba. Talvez este seja o caminho. Talvez eu deva fazer assim também: cortar todos os meus laços, todas as relações mundanas e seguir adiante como um errante sem lar, de manto amarelo, como fez esse homem. Talvez desse modo eu possa encontrar uma resposta aos problemas que me atormentam.”


A linda história, quase romântica, prossegue relatando de que modo uma noite, quando tudo estava em silêncio e uma lua cheia brilhava no céu, Sidarta deu um último adeus à sua mulher e filho, adormecidos. Não estava feliz por deixá-los, mas tinha que partir. Cavalgou muitas milhas naquela noite, até alcançar o rio que marcava o limite do território Sakya. Ali ele deixou o seu cavalo, suas roupas de nobre, cortou o seu longo cabelo e barba e tornou-se um errante sem lar, em busca da verdade.


Este “seguir adiante” é psicologicamente muito significativo. Não se trata apenas de se tornar um monge. É muito mais do que isso. Significa cortar os laços incestuosos de sangue e pátria e libertar-se como um indivíduo, para encontrar a própria salvação, o próprio destino espiritual.


Foi isso o que fez Sidarta. Ele deixou tudo para trás. Optou por partir. Já tinha se cansado da vida mundana e estava agora tentando buscar a verdade, tentando ver a verdade por si próprio. A busca levaria seis anos.


Naqueles dias havia na Índia muitas pessoas que ensinavam, ou pareciam ensinar, meios que levavam à realização da verdade. Um dos meios mais populares era o da autotortura. Havia um poderoso movimento desse tipo, que ensinava que se alguém quisesse realizar a verdade, deveria subjugar, ou até mortificar, a carne. E foi exatamente isso que fez Sidarta. Durante seis anos ele praticou as mais severas austeridades. Ninguém na Índia, conforme ele próprio declarou posteriormente, o superou em autotortura e automortificação. Mas declarou, da mesma forma, que isto não o levou a parte alguma. Ele havia se tornado famoso como um grande asceta e tinha diversos discípulos. Mas quando percebeu que este não era o caminho para a Verdade, não era o caminho para a Iluminação, ele teve a coragem de abandoná-lo.



Ele começou a comer novamente e seus discípulos, desgostosos, o deixaram. Tal fato também é significativo. Sidarta já havia deixado sua família, havia deixado seus amigos, havia deixado sua tribo e, no final, até seus discípulos o abandonaram. Ele foi deixado extremamente só, e permaneceu por sua própria conta. Ia de um lugar a outro e, finalmente, conforme lemos, chegou à margem de um lindo rio de água corrente. Ali ele sentou à sombra de uma grande árvore e tomou uma resolução: “Não levantarei desse lugar até ficar iluminado”.


Ali sentado, Sidarta controlou e concentrou a sua mente, purificou-a, suprimiu os obstáculos mentais, as impurezas, e na noite do Wesak, a noite da lua cheia de maio, assim que a estrela da manhã surgiu, assim que ele fixou sua mente naquela estrela brilhando perto do horizonte, deu-se a plena Iluminação.


Sem dúvida, é muito difícil descrever esse tipo de estado. Podemos dizer que ele é a plenitude da sabedoria. Podemos dizer que é a abundância da compaixão. Podemos dizer que é ver a Verdade face a face. Mas estas são apenas palavras e não transmitem muito. Então digamos simplesmente que, naquele momento, a “luz” brilhou e Sidarta Gautama tornou-se o Buda.


Em certo sentido, esse era o final de sua busca. Ele havia se tornado o Buda, “aquele que Sabe”. Ele havia encontrado a solução do enigma da existência. Ele estava Iluminado, ele estava Desperto. Mas em certo sentido esse era apenas o início dessa missão. Decidindo tornar conhecida para a humanidade a Verdade que havia descoberto, ele saiu do local, hoje conhecido por Bodh Gaya, e caminhou até Sarnath, a cerca de cem milhas de distância, reuniu os discípulos que o haviam abandonado e revelou-lhes a sua grande descoberta. Segundo algumas narrativas, ele lhes pregou o sutra que os ocidentais às vezes chamam de “O Primeiro Sutra”.  (Um sutra é um discurso associado, uma série de idéias e temas amarrados, como se fosse, por um fio de linha, que é o que sutra literalmente significa).


Gradualmente, uma comunidade espiritual cresceu em torno do Buda. Este não ficava permanentemente em lugar nenhum, mas perambulava por todo o nordeste da Índia. O Buda teve uma vida longa: ganhou a Iluminação na idade de 35 anos e viveu até os oitenta anos. Assim, foram quarenta e cinco anos de trabalho, de vida ativa, em que ele disseminava o seu ensinamento. Parece que durante nove meses do ano ele perambulava por diversos lugares, pregando, e depois, durante três meses, ele se abrigava da estação de chuvas torrenciais Sempre que chegava a uma aldeia, se fosse a hora de sua única refeição do dia, ele pegava sua tigela de mendicância e se postava silenciosamente na porta das cabanas, uma após a outra. Depois de ter coletado o alimento necessário, ele se recolhia no bosque de mangueiras que, até hoje, é encontrado nos arredores de toda aldeia indiana e sentava-se sob uma árvore. Quando terminava sua refeição, os habitantes da aldeia se reuniam ao seu redor e ele lhes ensinava. Às vezes vinham brâmanes, às vezes ricos proprietários, às vezes camponeses, às vezes mercadores, às vezes varredores, às vezes prostitutas. O Buda ensinava todos eles. E às vezes, nas grandes cidades, ele pregava para reis e príncipes. Deste modo, ele ganhou muitos seguidores e tornou-se, em sua própria época, o maior e mais conhecido de todos os professores espirituais da Índia. E quando morreu, quando ganhou o que chamamos de parinirvana, havia milhares, talvez dezenas de milhares de discípulos seus para lamentar a sua partida, monges e leigos, homens e mulheres.